É amplamente conhecido o papel do Estado na garantia de moradia para
todos. O direito de moradia é, basicamente, o direito de ter um lar, uma casa. Trata-se
de um direito fundamental garantido na Constituição Federal de 1988. No
entanto, há inúmeros desafios, principalmente quando se trata dos moradores de
rua, pois há diversos motivos que os levam às ruas, à exclusão. O problema se
agrava ainda mais agora, já que o Brasil passa por um inverno rigoroso, com
madrugadas congelantes, causando a morte dessa parcela social que já sofre com
tantas outras violências.
Primeiramente, vale lembrar que, no Brasil, há um extenso campo das
exclusões sociais, porém os moradores de rua, ou seja, pessoas que estão em
situação de rua, sofrem com a invisibilidade social muito mais intensa que outros
grupos excluídos. É como se não existissem. O descaso das políticas públicas
para com esses sujeitos é que mata, já que os governos são lenientes com os
poderosos e um opressor com a classe pobre. Por isso os moradores de rua
padecem à mingua, aos poucos. Agora, ainda mais, pois o país enfrenta um
inverno intenso e muitos estão perdendo suas vidas devido à hipotermia. Em São
Paulo, há mais casos de mortes. Com as madrugadas geladas, sem cobertores
adequados e sem alimentação, muitos não suportam as geadas, morrem de frio,
morrem sozinhos e totalmente invisíveis. Essa invisibilidade é causada
justamente porque os políticos dão as costas para o povo e, sem perspectivas,
muitos se encontram nessa situação de rua.
Tal fato faz lembrar o conto “A
Pequena Vendedora de Fósforos”, de Hans Christian Andersen, cuja personagem
morre congelada, na rua, sozinha, e só depois de sua morte é que as pessoas
percebem que ações deveriam ter sido feitas. Isso não é diferente do que anda
acontecendo no atual contexto social brasileiro, só depois de constatar
diversas mortes de moradores de rua devido às madrugadas geladas é que a
sociedade se mobiliza. Na capital paulista, após as mortes, a prefeitura passou
a acolher os moradores, levando-os a centros de acolhimento, mas antes vidas
foram perdidas.
Além de tudo, há uma contradição inaceitável, uma vez que o Brasil tem
em sua lei, a afirmação de que a moradia é um direito humano fundamental. Então
não se justifica a situação de tamanha vulnerabilidade dos seres humanos que
vivem nas ruas. Essas pessoas são vítimas das mais variadas expressões de
violência como se não bastasse a própria condição subumana em que passam seus
dias, jogados nos grandes centros urbanos, morando debaixo de pontes, de escadarias
das rodoviárias, de pontos de ônibus, em tubulões de esgoto. Cabe salientar que
os indivíduos em situação de rua fazem parte de um dos grupos sociais de maior
vulnerabilidade e as vias das cidades vêm se enchendo cada vez mais, não
somente nas grandes metrópoles. Nos
últimos anos, além de viveram nas ruas, muitos moradores são assassinados, um
extermínio programado.
Portanto, ações rápidas e condizentes com a realidade e com o momento
devem ser tomadas para que mais moradores de rua não morram de frio, nem de
nenhuma outra violência. Para isso, enquanto não têm moradia, é preciso que
haja uma parceria entre prefeituras, igrejas, escolas, entidades de classe e
toda a sociedade para que se mobilizem com ações concretas como centros de
acolhimento, roupas adequadas, alimentação que sustente, além do calor que só
um abraço pode oferecer. Mas isso é para ontem, não pode esperar que mais
sujeitos morram invisíveis nas madrugadas frias. É preciso aquecer os moradores
não somente com cobertores, mas sim com calor humano.