O
ócio ou o negócio?
Compreender a etimologia da
palavra pode ser uma atividade bem interessante. Há muitos termos cujo valor
semântico propicia inúmeras possibilidades de reflexão. A palavra negócio, por
exemplo, é uma delas, que tem origem grega negotium, formada por dois
termos: neg que significa negar algo
e ócio que é ocupação, trabalho,
labuta. Na Grécia Antiga, trabalhar era uma atividade vergonhosa, por isso se
negavam ao ócio, que era tarefa para a plebe. Os gregos, portanto, se dedicavam
à filosofia e às artes. Já os romanos tinham uma visão bem mais positiva para
essa palavra, pois o otium litteratum era o tempo livre para se
dedicarem às letras.
Ter tempo livre para
praticar o ócio, para muitos, pode ser uma falta de trabalho, falta do que
fazer; para outros, no entanto, o ócio serve para produzir, dedicar-se às
artes, sejam elas a produção literária, a pintura, o teatro, a escultura, o
grafite e a arte de colorir, por que não?
Os livros, voltados para
colorir, ao contrário do que muitos pensam, não são uma nova invenção. Quem não
se lembra dos livros fininhos para colorir os personagens infantis mais
conhecidos de cada época, ou ainda as revistinhas com diversas atividades como
unir pontinhos, formar desenhos divertidos e depois colorir.
O mercado editorial, a cada
ano, procura se manter no mercado e, para isso, precisa repaginar a sua oferta,
oferecendo novidades aos seus leitores que, por sua vez, estão sempre mais
exigentes. No início deste século, a entrada dos e-books (livros virtuais) foi
uma reviravolta para o segmento, causando muita polêmica em torno da
sobrevivência do livro tradicional.
As vendas em dezembro de 2013 totalizaram aproximadamente 294 mil unidades
de livros digitais e em 2014 somaram aproximadamente 2,53 milhões de unidades
somente no Brasil. O resultado foi que mais livros estão sendo vendidos e os
livros tradicionais continuam existindo e, certamente, não sairão de linha por
um bom tempo.
A bola da vez do mercado
editorial são os livros para colorir e tornaram-se uma febre não só no Brasil,
mas em diversas partes do mundo. O que deve ficar claro é que não se trata de
uma novidade, mas uma nova forma de terapia e, sobretudo de arte. Vale dizer
que ter ócio, tempo livre para colorir não significa que quem colore não tem
outra coisa para fazer. Primeiramente, a ideia inicial do livro de colorir
direcionado aos adultos foi como terapia para desestressar, quem não faz nada
tem estresse? Ou seja, trata-se de livro para quem tem muito que fazer.
Há diversas correntes filosóficas
que nos ajudam a entender tanta crítica em cima de quem está apaixonado pelos
livros de colorir. Uma delas está fundamentada na cultura utilitarista da nossa
sociedade. A filosofia utilitarista nasceu
no século XVIII, na Inglaterra, que determina que uma ação deve ser avaliada
sob o ponto de vista dos seus resultados práticos. Dessa época, o
jurista Jeremy Bentham expôs que o princípio da utilidade é o fundamento de
toda a conduta social e individual, que tudo deve ter uma utilidade e ser útil é o valor moral mais elevado.
Assim,
podemos perceber que a sociedade atual espera que o ócio seja preenchido apenas
com ações em que ela própria veja a utilidade de todas as coisas, ao contrário
não tem valor. Se assim for, onde deveríamos procurar pelos livros literários?
Onde encontraríamos as obras de artes? E as esculturas? E os desenhos, as
fotografias, as charges, as histórias em quadrinho? Será que todas foram feitas
por desocupados? E o que dizer dos maravilhosos desenhos da escritora escocesa
Johanna Basford? E os coloridos de inúmeros anônimos espalhados pelo país?
Não pretendo reduzir as manifestações artísticas
ao paradigma do utilitarismo, mesmo por que essa concepção já foi rompida, mas
não se vê utilidade nas artes? Parafraseando Renato Russo: “será que o que vejo
quase ninguém vê?” A arte se manifesta de várias formas e nenhuma delas deve
ser sobreposta à outra. Todas têm seu valor. Ainda bem que temos escritores por
profissão e aqueles que, no ócio, se ocupam de escrever poesias, crônicas e
histórias fantásticas, para preencher o nosso tempo e decorar a nossa alma. Ainda
bem que há artistas e artistas que andam preenchendo seu tempo de pura
ociosidade com arte, seja ela escrevendo, pintando, esculpindo e, que delícia,
colorindo.
Por Rosana Cristina Ferreira Silva