Dia após dia, vou e volto do
trabalho, de uma cidade à outra. Presto atenção na estrada, mãos firmes no
volante e, ao mesmo tempo, observo, pelo vidro do carro, a paisagem
circundante, um dia mais chamativa, outro dia menos.
Um vasto tapete verde claro
se estende, perdendo-se ao horizonte: é a plantação de cana-de-açúcar, que se
perde de vista. Bonita de se ver, sim, o tapete extenso, bem verdinho é bonito,
mas é triste saber que, para se manter assim, milhares de litro de água são
gastos diariamente, a terra se esgota. Plantações de milho e feijão deixaram de
existir nessa região já faz tempo, quando se arrendaram as terras, antes
fazendas, para cultivar a cana-de-açúcar que, mais tarde, se transformará em
álcool.
Asfalto liso, via reta,
poucas curvas, mas há lombadas assustadoras, onde muitas vidas foram ceifadas,
vidas de muitos jovens que se aventuraram por essas estradas que,
aparentemente, não apresentam nenhum perigo. E é nessa estrada que me aventuro:
labuta diária.
Num dia comum, desses que
quase passam despercebidos, propriamente no mês de agosto, época em que os ipês
se abrem maravilhosamente em flor, um espetáculo da natureza podia ser visto.
Ainda muito cedo, fazia muito frio, os diversos ipês ainda se escondiam em meio
à neblina que se estendia por quase todo o trajeto. Alguns arbustos, mais altos
podiam ser vistos de longe, abarrotados de flores, as mais comuns eram as
amarelas, alguns roxos, dois ou três apenas eram brancos.
Nesse dia, durante o tempo
em que fiquei trabalhando, não conseguia parar de pensar naquele cenário,
parecia uma pintura a óleo. Mal aguentava a hora de ir embora e poder apreciar.
Quando peguei a estrada novamente, aproximando-me do limite entre os
municípios, pude avistar com mais nitidez a beleza dos ipês. Fiquei pensando
como Deus é perfeito, numa época de estiagem, ar muito seco por sinal, tantas
flores enfeitando o céu. Interessante é que havia pequeninas árvores, fininhas,
cheias de flores, em pencas, uma boniteza.
Foi impossível resistir e fiz
como o motorista que estava à minha frente, parei no acostamento, tomei o tablet na mão e fotografei diversas
vezes na busca do melhor ângulo. Chorei. Chorei de emoção ao ver tanta beleza.
Voltei para a direção, era preciso chegar em casa, contar pros meninos e pretendia,
no mesmo dia, levá-los para ver aquilo.
Quando cheguei em casa,
todos já haviam saído, de menos a caçula. Relatei a ela tudo o que vira no
caminho. A menina ficou curiosa, mas, devido à correria e aos afazeres da
rotina, acabei adiando para a próxima semana, quando teria de voltar ao
trabalho. E assim foi feito.
O dia esperado chegou e
saímos cedo, rumo ao local mais florido que eu já tinha conhecido. Tamanha foi
a nossa decepção: ingenuidade minha pensar que as flores estariam todas como eu
havia fotografado. Há um ditado que diz que a flor de ipê não cai na poeira e,
de fato, pouca poeira havia. Um sereno chuvisco molhou a terra e a flor, na sua
missão, caiu na terra pouco umedecida, mas caiu. Não havia um ipê sequer
florido, apenas flores murchas, quase caídas, presas nos troncos. Só restou a
imagem gravada na minha memória e na memória do computador, enfeitando minha
proteção de tela. O amarelo ouro que pintava o horizonte azul deu espaço à
poeira e à sequidão do tempo. E a vontade de ver novamente o espetáculo e de
mostrar aos meus filhos o que vi deu espaço à frustração, mas também a uma
reflexão: por que deixar para o outro dia o que se deve fazer na hora?
Nesse dia, trabalhei com
certa introspeção. Passei o dia todo, ou melhor, um bom tempo pensando sobre o
fato de que há coisas que não esperam a nossa hora e que devemos fazer o que
precisa ser feito no momento em que deve ser feito. Pensar que no outro dia
tudo estará do mesmo jeito é tolice e um risco que não se deve correr. Assim é
a nossa vida: linda como a flor do ipê, mas também efêmera, breve e de único
trajeto, não espera a gente dar quantas voltas quisermos para ser, de fato,
apreciada em sua plenitude.
Por
Rosana Cristina Ferreira Silva